terça-feira, 30 de setembro de 2008

O Grande Jogo

Há uma incontável quantidade de lutas políticas nesse nosso mundo. Mas, qual delas é a luta mais essencial do século XXI? Alguns dizem que é a luta da cultura global ou globalizante contra as locais; ou das culturas locais frente ao pano de fundo do patrimônio comum mundial, cenário em que se enquadram o medo da ocidentalização e o nacionalismo exclusivista, separatista ou etnocêntrico.
Alguns também podem dizer que é a luta das grandes corporações contra o homem comum; ou a do país rico contra o país pobre. Outros, que é a do homem contra a mulher; da religião, do divino, contra a irreligião, o pecado, ou o demoníaco.
Alguns dizem que é a do terrorismo contra a paz, a liberdade e a democracia...
Na verdade está-se apenas prestando atenção a uma pequena fração do todo: o todo, que é caracterizado pelo crescimento do poder estatal contra cada um de nós cidadãos; em que cada uma daquelas lutas acima apontadas não são mais que pequenos peões num tabuleiro maior de xadrez. O mais notável nisso tudo é o fato de o poder do Estado jamais ter deixado de crescer, desde o alvorecer da história; e cresceu a taxas altíssimas, acompanhando a aceleração do progresso tecnológico. Infelizmente, o mesmo não ocorreu com a consciência da grande massa de cidadãos quanto aos perigos decorrentes, o que, do contrário, certamente significaria uma profunda rearrumação do tabuleiro numa espetacular batalha final.
Nenhuma das batalhas específicas é efetivamente clara, branco no preto. Tanto por razões pragmáticas quanto de princípios, ambos os personagens antagônicos mantém suas peças nos dois lados opostos do campo de batalha. É nesse quadro que se inserem os crimes universais do século XXI: pirataria, drogas, terrorismo (e guerrilha), e pedofilia, todos desempenhando um papel muito importante na maneira como esse jogo se desenvolve.
Esse gris é inegável quando analisarmos, por exemplo, o conflito entre as visões de mundo da cultura globalizante e as da cultura local: por vezes os Estados utilizam-se de tendências homogeneizantes com o fito de reforçar seu conhecimento e controle sobre os cidadãos; outras vezes porém, e com os mesmos objetivos, fazem exatamente o contrário, promovendo as culturas locais. O discurso quanto aos cidadãos vai assim variar, acompanhando os interesses que se deseje justificar: algumas vezes é sua exposição às tendências globais que os fará mais fortes, enquanto que em outras vezes é a defesa das particularidades locais o que vai dar o mesmo resultado.
Similarmente, há ocasiões em que as grandes corporações representam o último bastião de resistência contra um Estado todo-poderoso. Noutras, ambos estão em perfeito conluio, numa relação simbiótica. As pessoas comuns na sua luta contra o poder das empresas, às vezes precisam lutar contra o Estado que protege aquele poder, e às vezes são obrigadas dar mais poder ao Estado de modo que ele possa enfrentar o poder corporativo.
Da mesma forma, para proteger-se uns dos outros, os países ricos e pobres tentam aumentar seus poderes enquanto procuram diminuir o poder dos outros lançando mão de todas as armas disponíveis: os subsídios ao comércio e à produção, o controle dos transportes e da migração, as leis extraterritoriais, os lobbies sociais e ambientais financiando uma ampla gama de ONGs...
Tomando proveito dos movimentos de liberação sexual, os Estados puderam tornar-se mais fortes e mais influentes através da criação e da imposição de leis, não obstante esses movimentos terem atacado as próprias instituições estatais.
Outro exemplo, o da religião, que tem sido uma força a moderar e conter o poder dos Estados seculares, mas que também se presta a aumentar o poder dos Estados de orientação religiosa; a laicidade desempenha um papel diametralmente oposto: é promotora da autoridade dos Estados seculares e um freio aos religiosos.
Em todos os lugares, os ditames jurídicos têm trazido um conjunto de novas leis, regulamentos e práticas que ampliam o poder estatal e reduzem o âmbito de ação dos indivíduos, mas que também diminuem as possibilidades de ação dos governos, dando amparo às possibilidades dos cidadãos para lutarem, ao menos em algumas áreas.
A luta para espalhar a democracia pelo mundo certamente destruiu ou enfraqueceu alguns todo-poderosos regimes descontrolados de natureza não-democrática; ao mesmo tempo entretanto, fortaleceu outros: essa luta limita as possibilidades de ação de muitos Estados, mas deixa outros intocados e até mais fortes.
Todos os paradoxos acima, em seus diversos gris, de várias tonalidades e contradições, são unificados pelos grandes Crimes Universais da atualidade.
A razão pela qual a pirataria é um deles não é porque ela diminui os lucros dos produtores. Produtos de sucesso ainda são uma inigualável fonte de renda. Discos de platina não desapareceram e nunca desaparecerão já que a pirataria somente supera as vendas legalizadas de música, vídeo, software ou jogos onde o mercado legalizado é excessivamente caro ou ineficiente.
A pirataria tem a capacidade de apontar diretamente para um furo na habilidade estatal de controlar sua própria economia, um furo que a qualquer momento pode crescer.
Agora, as medidas contra a pirataria são perfeitas para o fortalecimento do controle estatal: novos padrões de venda, novos padrões de produção, e até mesmo novos padrões e métodos de rastreamento dos próprios produtos e consumidores, como ocorre com os dispositivos para proteção e garantia que ajudam a rastrear uma peça de software ou música "original". Não é de se admirar que se trate de um crime universal, e que essa luta goze de alta prioridade na agenda dos Estados.
As drogas são um exemplo quase que perfeito demais de como o Estado aumentou seu poder às custas do cidadão, ao despejar toneladas e toneladas de dinheiro proveniente dos impostos que pagamos, literalmente usando dinheiro bom para a criação do mal. É a luta contra um problema que foi causado por leis ruins de sociedades ruins. Um claro retrato de como o governo cria problemas, agindo em detrimento de cada cidadão: mais leis, mais dinheiro, mais poder de polícia, mais força policial, tudo isso só faz aumentar o poder estatal por conta de algo que nem mesmo existiria, não fosse o próprio governo. E tudo isso porque alguns cidadãos gostam de fumar ou de cheirar alguma coisa estranha que, é claro, alguns outros cidadão estão dispostos a fornecer por um preço justo. Um preço justo que seria mais barato e menos violento à sociedade como um todo, se não fosse pelo dedo do Estado. É curioso o fato que Pablo Escobar era um parlamentar antes de se tornar a cabeça mais cara do mundo.
Em que difere, na argumentação legal, a indústria de bebidas alcoólicas e, principalmente, do tabaco? Mas questionar é fazer apologia, é envolver-se e receber a pecha de criminoso: o cidadão prudente, nesse contexto, é aquele que se cala... e acredita!
Diz-se que o último bastião de produção honesta de drogas foi o Talibã, com sua reconquista de apoio ao cultivo de ópio. Mas então, o que mais se poderia esperar? Afinal de contas, temos o Crime Universal mais reconhecido atualmente: o terrorismo, não é mesmo?
O terrorismo é outra justificativa perfeita para tudo: desde a vigilância paranóica de aeroportos e viajantes, até a intromissão em todas as formas de comunicação, com poderes extraordinários de busca, apreensão, detenção e pseudo-julgamento. O terrorismo é o crime dos sonhos que poderia ter sido muito útil para justificar a Inquisição, Vlad, Hitler, Stalin, Saddam... Ele ultraja a todos; faz com que a maior parte das pessoas tenham medo o suficiente para que se esqueçam de tudo o mais na vida, e isso aumenta o apoio cego ao governo e aos seus métodos, qualquer que seja o governo e quaisquer que sejam esses métodos. Quem se opõe a essa onda é sempre suspeito de colaboração ou de apologia. E como atualmente o terrorismo é tido como uma afronta ao próprio Estado (muito embora a etimologia clame pelo contrário), ele também é contrário ao status quo: assim, a luta contra o terrorismo é sempre uma luta pela manutenção do status quo. E como quem define o que é terrorismo é o próprio status quo, qualquer coisa e tudo pode ser terrorismo, e todo e qualquer assunto específico pode ser visto sob esse prisma. Que ditador não ficaria maravilhado?!
Mais uma vez, como Crime Universal, a pedofilia é muito adequada. Ela gera quase tanta indignação quanto o terrorismo, pelo menos naqueles setores chave de direita-conservadora-religiosa-hipócrita. Ela cria os mesmos tipos de reação que transforma cidadãos em joguetes dos ditadores através da filtragem e manipulação de informações e de fatos, resultando em mais buscas, mais apreensões, mais julgamentos corrompidos e menos direitos. Mais paranóia e dispositivos de rastreamento, mais leis cujo único propósito é o de minar, de enfraquecer os direitos civis. Como ocorre com o terrorismo, a ocorrência de uns poucos fatos verdadeiramente horrendos são o suficiente para que a histeria torne-se uma doença auto-destrutiva afetando quase a totalidade da sociedade, que reage de uma forma que nem resolve o problema e nem melhora nada, em absoluto.
Contrariamente a toda a propaganda vigente, as leis anti-pedofilia não resolvem nada. Elas não resolvem nada porque, comprovadamente, a maior parte dos casos de abuso não é cometido por pedófilos. Porque os casos de relação sexual consensual (não obstante ilegal) não estão causando dano algum às crianças. Porque todo dia, desde que a humanidade existe, mais e mais pedófilos estão nascendo e tomando consciência de sua orientação. Esses e outros fatores fazem com que todas as atuais leis anti-pedofilia sejam tanto inúteis quanto enganadoramente perigosas. Mas já era de se esperar...
Na realidade, guerras abrangendo tantos fronts diferentes não são para ser ganhas. De uma maneira peculiarmente mil-novecentos-e-oitenta-e-quatriana o inimigo é tão imane e impossível de submeter que a vitória, no final das contas, não é realmente possível. Não passa de ilusão - um tanto quanto conveniente.
Essas guerras são feitas para serem lutadas, lutadas, e lutadas, mas nunca vencidas. Não importa o que fizermos, sempre haverá coisas a serem pirateadas, tecnologia para fazê-lo e pessoas que comprarão produtos piratas; drogas para ser consumidas, consumidores ávidos, e produtores e distribuidores interessados; causas pelas quais se decida defender a todo custo e pessoas que se engajem no terrorismo para tentar alcançá-las; crianças cientes de sua sexualidade, pedófilos a admirá-las e oportunidades para que se encontrem.
Essas guerras são absolutamente não-vencíveis, mas são convenientes ao Estado. Povos mais esclarecidos perceberiam isso facilmente. Certamente, alguns indivíduos o percebem: quem sabe Pablo Escobar foi capaz de perceber isso tudo? Talvez alguns agricultores no Afeganistão também...
Por definição, guerras contra inimigos invisíveis não podem ser vencidas. Em todos os quatro casos citados o inimigo não é uma pessoa, um grupo, uma nação, um exército. Se fossem, haveria uma possibilidade de se vencer a guerra. Mas o inimigo não é uma entidade visível, mas sim um processo, uma decisão pessoal, um ato, um sentimento. Nenhuma dessas guerras tem um rosto contra o qual se lute; em nenhuma delas se está a encarar um general inimigo. Lutar contra Hitler foi fácil, relativamente falando, mas a luta contra o nazismo não está realmente acabada. Lutar contra Napoleão também foi relativamente fácil, mas no final a Revolução Francesa venceu. Pablo Escobar está morto, mais cedo ou mais tarde será Osama e todos aqueles que orgulhosamente estejam à frente, desafiando o status quo; mas mesmo que todos eles morram em ação militar e percam a batalha, a guerra prosseguirá. Para sempre. Porque aqueles rostos são ilusões; o verdadeiro inimigo é invisível, e o invisível nunca perde...
O triste é que as pessoas não questionam: só acreditam... são cegadas. Esta é a triste falha do sistema de governo guiado ou inspirado pelo povo, mas que sustenta idéias muito convenientes... convenientes demais para serem simplesmente questionadas.
Permitir ao povo escolher seus governantes e as políticas a serem adotadas pelo governo é, realmente, correto. É uma questão de pura justiça ser governado por alguém que recebeu seu consentimento para tal. É o lógico. O problema está em como isso se traduz na vida real, já que teoria e vida real tendem a divergir entre si de maneira curiosa.
As grandes dimensões atingidas pelas modernas unidades políticas tornou impossível à grande maioria dos cidadãos efetivamente conhecer a imensa lista de coisas que cada órgão governamental faz. Tornou-se impraticável aos cidadãos saberem tudo o que seu governo faz. Pode ser até que toda essa informação esteja disponível nos canais de comunicação estabelecidos pelo próprio governo, pelo menos em alguns países. Entretanto, isso não significa que cada cidadão disponha de tempo suficiente para analisar e tomar ciência disso tudo. Então, será que realmente se governa com o consentimento dos governados?
Isso nos trás um segundo problema: se a desinformação prevalece, a informação falsa é facilmente criada. E na quantidade certa, no tom apropriado, todos os press releases, eventos e discursos vão garantir que as omissões do imperador continuem omitidas, a não ser que, e até que, alguém as mencione.
Será que a sociedade tem condições de invocar o nome "democracia" quando, na realidade, a quase totalidade de seus cidadãos não tem o mínimo conhecimento do que seus governantes estão a fazer?

Nós Ainda Vivemos na Idade das Trevas

Está claro que nós, a humanidade, somos o gado Nietscheano, vivendo na escuridão para a segurança de uma pequena casta de controladores que querem manter o status quo. Os poucos dissidentes são sempre caçados por causa dos perigos que trazem com sua luz. Essa caça-às-bruxas traz medo, e o medo é a melhor arma de manutenção do controle.
As escolas foram deturpadas tão somente para isso: fazer humanos tornarem-se gado; não há dúvida.
Mas não podemos abandonar nossos ideais, pois nós, dissidentes, somos especiais pessoas iluminadas, lutando para exterminar a escuridão do mundo.
É difícil evitar que nossas visões mais elevadas pareçam loucuras e por vezes até crimes, quando chegam a ouvidos que não são capazes de compreendê-las. (NIETZSCHE, Friedrich W. Além do Bem e do Mal - Jenseits von Gut und Böse. Parte Dois, no 30)
Cristãos, bruxas, judeus, comunistas, homossexuais, pedófilos... Os poderosos precisam sempre criar monstros, pois a fantasia de um inimigo que encarne o mal é a melhor forma de manter cego o povo.

A Verdadeira Educação

Literalmente, Filosofia significa “amor ao conhecimento”. Como tal, ela pode abranger tudo, e historicamente foi isso mesmo que ocorreu. Cada vertente do conhecimento é derivada da filosofia (menos, talvez, a Religião, que somente com muito esforço pode ser considerada ciência). Atualmente a Filosofia possui diversas subcategorias, das quais posso citar como mais importantes a Lógica, a Ética e a Epistemologia.
A Lógica tem a ver com os mecanismos com os quais obtemos conhecimento a partir de um dado conjunto de fatos. Tenho convicção que a Lógica deveria ser ensinada às crianças o mais cedo possível, preferencialmente durante o ensino elementar. Uma forma simplificada de lógica deveria ser acessível a qualquer pessoa, o truque é aplicá-la na prática, e dar à criança a confiança para usar essa ferramenta.
A Ética está ligada ao entendimento do que é certo ou errado - o que e por que. Também deveria ser ensinada cedo na infância, mas não como uma listazinha de “faça-e-não-faça” a ser decorada, e principalmente, que não se resuma a uma lista do que foi importante há quatro mil anos atrás para alguma tribo nômade.
A Epistemologia trata dos fundamentos do conhecimento - como sabemos o que sabemos. Até mesmo conhecimentos rudimentares desse campo revelará que não podemos estar certos de nada além de nossa existência, mas que ainda assim parece ser útil acreditar que o mundo existe, e acreditar em certas coisas a respeito dele.
Quando as crianças forem capazes de dominar essas ferramentas o mundo será um lugar muito melhor. Se metade dos adultos dominassem esses mecanismos, o mundo seria muito melhor. Com base nessas ferramentas é possível a qualquer pessoa detectar as incontáveis falácias nas argumentações dominantes, que os alienados não têm olhos para ver.
Ah, por falar em ética, como justificar o fato de se manter as crianças deliberadamente desinformadas, especialmente quando sua ignorância pode levá-las a conseqüências devastadoras? Mas é exatamente isso que acontece em nosso mundo, onde a direita-conservadora-religiosa-hipócrita insiste na educação sexual da abstinência, da mentira e da vergonha, enquanto as taxas de gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis continuam crescendo.
A forma como as crianças são educadas, em que mentiras lhes são impostas como fossem verdades absolutas são preteríveis mesmo à não-educação. Tomemos Jiddu Krishnamurti como exemplo: ele descartou o conhecimento dos livros e começou a observar e a ouvir a própria vida. Mas é claro que isso pode estar bem além da compreensão da maioria. Ainda hoje as crianças tomam decisões informadas. Questiono: de onde vem a resposta às suas perguntas? Elas podem sair em busca de mais informação, através da educação sexual, por exemplo, mas isso não garantirá uma decisão suficientemente informada para dizer “não” ou “sim”. Se a educação sexual proclama abstinência até que atinjam seu décimo oitavo aniversário elas estão melhor informadas? Se elas aprendem, através da literatura disponível, que sexo é vergonhoso elas farão uma decisão informada... Mas essa não é necessariamente a decisão correta, não é verdade? Parece mais saudável então desencorajar as crianças de se submeterem à mentira da educação até que elas entendam a si mesmas, suas necessidades físicas e emocionais.
A nefasta manipulação e imposição de informações que vemos no sistema de ensino provoca um embaçamento da sabedoria: ela desvia seu olhar do que realmente está ali, na vida real. Só se está a repetir o que outros disseram ou pensaram antes.
A humanidade não é muito diferente do que era há uns, vamos ver... dois mil anos atrás. Somente nossos meios progrediram. Enquanto insistirmos em basear nossa visão no que outros disseram ou pensaram antes, nós não veremos qualquer luz.
Para que crianças possam tomar decisões informadas, elas precisam conhecer a verdade. Elas precisam aprender que seus corpos são tudo que elas têm na vida. E isso inclui suas mentes, mas também suas respostas físicas naturais. Foi por ensinarmos às nossas crianças que a mente tem preferência sobre seus corpos que acabamos por desenvolver essa grave situação em que nos encontramos atualmente. Elas deveriam aprender que seus corpos podem experimentar prazer, e que isso é natural.
As meninas, por exemplo, podem sentir prazer desde bem cedo, já que aos dois anos de idade suas glândulas sensuais já estão ativas. O fato é que as meninas realmente experimentam tais sentimentos prazerosos e gostam disso. Somente quando elas começam a “ser informadas” é que elas passam a achar que experimentar tais sentimentos de prazer é errado. E é aí que a terapia regressiva faz sucesso, juntamente com outros mecanismos de persuasão desenvolvidos por nossos amados cientistas. Nosso desenvolvimento científico tem doutrinado tão bem nosso psicológico coletivo que acaba se tornando muito difícil conseguir escapar de tudo isso. Essa doutrina está presente em todas as mídias que conhecemos hoje: TV, jornais, internet, e todo o mais. De quem é a culpa?
Nós, como indivíduos, podemos fazer uma diferença, mesmo que pequena. Faça com que sua meta seja a de esclarecer as pessoas, especialmente as crianças, que experimentar o prazer corporal não é mau, não obstante qualquer mentira. É isso que as crianças precisam aprender, é isso que as pessoas precisam ver: que seus corpos são sua propriedade e que elas precisam ter liberdade de experimentar os prazeres que seus corpos podem lhes proporcionar. Não é fácil imaginar a intensidade da reviravolta que isso, aos poucos, causará em nosso pensamento coletivo, mas deve-se começar de baixo, talvez fazendo uma pequena diferença em algum lugar, de algum modo.

Da Condição da Criança

Disse mais o Senhor a Moisés: Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando alguém fizer ao Senhor um voto especial que envolve pessoas, o voto será cumprido segundo a tua avaliação das pessoas. Se for de um homem, desde a idade de vinte até sessenta anos, a tua avaliação será de cinqüenta siclos de prata, segundo o siclo do santuário. Se for mulher, a tua avaliação será de trinta siclos. Se for de cinco anos até vinte, a tua avaliação do homem será de vinte siclos, e da mulher dez siclos. Se for de um mês até cinco anos, a tua avaliação do homem será de cinco siclos de prata, e da mulher três siclos de prata. (Levítico 27:1-6)
A razão por trás do fato que as meninas eram tão “baratas” é que elas eram vistas como mais fracas e menos produtivas ao longo do tempo. Meninos e homens eram mais valiosos porque os homens ditavam as regras e somente pessoas do sexo masculino poderiam transmitir e receber terras, dinheiro, e bens, através da herança. As do sexo feminino eram servas e/ou propriedade.
Pode ser que tenhamos alcançado um pequeno progresso nesses últimos dois mil anos. A mulheres não são mais propriedade, e também podem ser proprietárias de terras e bens. Entretanto, as crianças ainda são vistas como propriedade de seus pais, e ainda são vistas como fracas e inúteis. Talvez, daqui a uns dois ou três mil anos as crianças terão direitos também.

Questão Etária

Ah, só os números mudam porque você muda quando você menos espera, né? Acho que isso é bobeira. (Uma Menina)
Certamente é muito interessante notar que esta parte é encabeçada pela citação de Uma Menina de treze anos de idade. É muito significante que tenha sido exatamente ela quem disse isso. A importância se deve ao fato que esse talvez seja o tema mais controverso aqui tocado, e suas palavras dão-me bastante coragem para seguir em frente. Qual a melhor maneira de resumir a idéia? Eu não poderia tê-lo feito melhor que essa menina. Mas eu tentarei, porque às vezes os aforismos não são a única (ou correta) maneira para explicar algo às pessoas.
Local de domicílio. Movimento de entrada e de saída de países ou de estados. Dirigir (não somente carros, mas também helicópteros e quaisquer veículos motorizados em geral). Religião e práticas religiosas. Idéias políticas. Expressão de idéias políticas. Votar. Candidatar-se. Trabalhar. Participar da economia. Consumo e produção de pornografia. Ficar, transar, namorar. Casar. Dar início a uma ação judicial. Responder a um ação judicial. Engajar-se às forças policiais. Engajar-se às forças militares. Participação em ação militar. Apostar. Compra e consumo de álcool, tabaco e outras drogas legais.
Todas as ações listadas acima são direitos negados com base etária.
O que faz com que um número seja tão importante, qualquer que seja o número? A maior parte das atividades acima podem ser consideradas muito importantes e determinantes para um indivíduo; Podem ainda ser consideradas potencialmente perigosas e merecedoras de cuidados especiais. Mas nenhum número traz alguma facilidade para lidar com elas. Educação e experiência adequadas ajudam, mas ainda assim elas não vêm com um número anexado. Há pessoas que se tornam viciados no jogo aos quarenta anos. A maior parte dos bons pilotos de corrida claramente desobedeceram a legislação de trânsito tendo começado a dirigir em idade inferior ao mínimo legal permitido, ainda que dentro do autódromos fechados. Os números, por si só, têm pouco ou nada que ver com isso tudo. Aquela menina disse isso melhor do que eu poderia. Ela não é diferente do que foi ontem. Certamente, ela é diferente do que era quando nasceu, e é diferente do que será quando for idosa. Mas ela nunca saberá exatamente quando, como e por que mudou ou mudará. Ela simplesmente muda, sem que qualquer pessoa, inclusive ela, perceba essa mudança, até que ela se dê por completo. E se (e porque) ela ocorre não tem nada a ver com um número que ela atinja, mas sim por causa de seu desenvolvimento através da vida. Ninguém poderia dizer, externamente, simplesmente com base em sua idade, se ela está ou não preparada para qualquer uma das ações listadas acima - pode ser que esteja, pode ser que não. E ainda daqui a décadas, quando ela estiver mais velha, ninguém, simplesmente sabendo sua idade, será capaz de saber a que ela estará capacitada - ela poderá nunca estar preparada para algumas daquelas ações por toda a sua vida. Ela saberá quando estiver preparada, mas ela somente se dará conta depois que já estiver, e jamais haverá um momento repentino de "hoje eu acordei pronta para [inserir aqui a ação]". Ela irá mudar quando menos espera e tentar associar essa mudança a um número é burrice.
Para quais ações daquela lista ela está pronta? A maior parte delas, certamente. Será que ela se sente preparada? Provavelmente ela se sinta pronta para menos do que realmente seja. A lei lhe permite? Ela não tem liberdade para fazer quaisquer daquelas ações, ainda que seja perfeitamente capaz. Nada disso faz sentido.
E o importante nisso tudo é que cada uma das ações descritas deveriam ser um direito por si só. Não há razão para se tolher arbitrariamente quaisquer direitos. Muitas daquelas ações requerem qualificações especiais, é verdade, mas exigir-lhes um número arbitrário é limitar imotivadamente (ou por um motivo idiota) um direito. Nenhum número pode dizer a que você é capaz ou a que está preparado. Há, para cada um dos direitos mencionados na lista, várias pessoas, menores de idade, que são perfeitamente capacitadas para agir, mas que são proibidas por conta das burras legislações em vigor. Todos os direitos pertencem a todos os seres humanos, e não apenas àqueles com datas de nascimento específicas.
Todas as ações vêm acompanhadas de responsabilidades também, isso faz parte da vida em sociedade, e não deve ser excluído, muito pelo contrário, assumir responsabilidades faz do indivíduo um participante efetivo da sociedade, faz dele humano. Negar a um indivíduo, com base em sua idade, quaisquer direitos, especialmente com o argumento de que se está a protegê-lo (mesmo que de perigos reais), significa negar ou diminuir as capacidades desse mesmo indivíduo. Isso implica dizer que os direitos não têm importância, que a proteção deve se sobrepor aos direitos, e que qualquer medida tomada com a finalidade de proteger justifica quaisquer violações aos direitos individuais. Essa, certamente, é a atitude tomada por muitos pais (não-pais também) contra menores, e mesmo contra si próprios. Essa é, similarmente, a atitude tomada por governos ilegítimos contra seus povos. Mas o principal é facilmente esquecido: Que uma gaiola dourada ainda é uma gaiola, que um carcereiro benevolente ainda é um carcereiro, e que proteção não vale de nada se você não possui direitos.
Um exemplo que vem imediatamente à mente é o paradoxo da filha de Bill Gates. Sob o argumento da proteção, a ela não é permitido passar mais que quarenta e cinco minutos por dia à frente do computador. Ao que parece, seu direito à informação não é importante o suficiente para superar qualquer preocupação especial com proteção (sem falar, é claro, que se ele realmente desejasse proteção ele poderia fazer para ele um computador mais seguro...). Desse modo, ela tem a liberdade cerceada, mas está protegida.
A única forma de se compatibilizar os direitos humanos com o reconhecimento dos menores como pessoas, e membros da sociedade, é garantindo-lhes todos e cada um dos direitos, sob a pena de se estar igualando as crianças a bichinhos de estimação especiais (muito embora, até mesmo os animais tenham direito à locomoção, à atividade sexual, e à vida política - ou será que a interação social entre os animais não é uma forma de vida política? - Muitas devem ser as crianças que desejariam levar uma vida de cachorro).

Idade de Consentimento

Em se tratando do instituto legal da invalidação ficta do consentimento, que tem sido tão debatida ultimamente, a noção como um todo, há que se argumentar, é um completo equívoco. Não passa de uma falácia lógica. O problema com ela é que sua premissa básica é falsa, isto é, a presunção que crianças são suficientemente informadas (esclarecidas) para que possam dar seu consentimento em quaisquer outros assuntos no mundo, com exceção do que tange às relações amorosas (especialmente as que envolvam disparidade etária).
As crianças são moldadas por fatores externos que lhe são impostos pela sociedade desde o momento de sua concepção. Nesse processo, são corrompidas:
A maneira mais fácil de corromper um jovem é ensiná-lo a respeitar mais aqueles que pensam pensamentos iguais aos seus que aqueles que pensam pensamentos diferentes. (NIETZSCHE, Friedrich)
Ou seja, a questão principal passa a ser o que é e o que não é aceitável que se exponha às crianças, de modo que chegamos numa volta completa a uma bela petitio principii. Mas, por se tratar de um assunto fortemente político, as razões para que continue sendo sustentada pelas forças reacionárias baseiam-se numa falácia do espantalho.
A legislação que trata da idade de consentimento, que data de finais do século XIII com os British Statutes of Westminster, trouxeram o conceito de que o parceiro jovem é categoricamente incompetente para dizer tanto sim quanto não para o sexo. Isso porque a criança, por definição legal, é incapaz tanto pessoalmente quanto legalmente para resistir ou para voluntariamente abrir mão de sua “virtude”. E é o Estado, por ter interesses em resguardar essa virtude, quem resiste por ela.
Enquanto, atualmente, presumimos que tais leis baseiam-se no princípio que menores têm direito a uma proteção diferenciada, originalmente o objeto de proteção legal não era a criança em si, mas sua virgindade, que era propriedade de seu pai (naturalmente, como ocorre com qualquer propriedade, era mantida bem segura, guardada a sete chaves). A vítima era sempre do sexo feminino, tanto que, ainda em 1981, a Suprema Corte norte-americana declarou a constitucionalidade da criminalização do ato sexual com menor do sexo feminino, mas não com menor do sexo masculino. Ao categoricamente ab-rogar o direito do menor ao consentimento, a lei dá ao adulto total poder sobre a sexualidade daquela criança.
No século XIII o direito de um pai sobre a virgindade de sua filha era inquestionável. Ela (tal qual sua mãe) era patrimônio de seu pai, e se ele suspeitasse que alguém estivesse invadindo sua propriedade ele lançaria o culpado ante o magistrado, do mesmo modo que faria num caso de furto de cavalo.
Atualmente, não obstante a preferência dos promotores pela obtenção do testemunho da garota contra seu namorado, isso nem é necessário ao caso. A lei dá aos pais uma inigualável quantidade de poder: eles podem, realmente, colocar o namorado de sua filha atrás das grades.
Em 1800, a idade de consentimento era aos dez anos por todos os Estados Unidos. Em 1880 passou a dezesseis anos de idade, após o pânico da escravidão branca, quando já aos dez anos de idade trabalhava-se quatorze horas por dia numa fábrica. Na década de 1990 a idade de consentimento variou, literalmente, por todo o mapa. No Havaí, em 1998 era aos quatorze anos; na Virgínia, quinze; Minnesota e Rhode Island, dezesseis; Texas, dezessete; Wisconsin, dezoito. Em New Hampshire chegou-se ao absurdo de se considerar ilegal para qualquer pessoa manter relações sexuais com alguém menor de dezesseis anos, mesmo sendo ambos os parceiros menores.
Se tentarmos basear as leis sobre idade de consentimento no que nos traz a moral religiosa, seria necessário baixá-la a algo em torno do que era nos anos 1800, sob pena de se arriscar a causar ira dos meios religiosos ao se caracterizar todos os profetas do Velho Testamento como pedófilos ou molestadores.
Se, por outro lado, tentarmos justificar a legislação sobre idade de consentimento numa base científica e racional, a situação também não seria muito satisfatória ao status quo. Segundo a biologia, as meninas normalmente começam a dar sinais da puberdade entre seu nono ou décimo aniversário, dependendo, basicamente, de fatores genéticos. A biologia também nos ensina que o prazer sexual está presente em qualquer idade, mas, deixemos isso de lado por enquanto, já que também se sabe que os lóbulos pré-frontais - que são responsáveis pela habilidade de realização de pensamentos analíticos abstratos - não começam a formar ligações nervosas antes dos dezesseis ou dezoito anos, e que esse processo de crescimento dendrítico e tecedura da rede neuronal no neocórtex não se estabiliza antes dos vinte e cinco anos de idade, quando então essa rede começa a se degenerar. Em outras palavras, a sábia Natureza, determinou que os órgãos sexuais da fêmea da espécie estejam em pleno funcionamento a partir da pré-adolescência (9-12 anos), mas deixou o desenvolvimento sua faculdade racional abstrata para bem mais tarde. Pode-se perceber algo de lógico nessa disposição da Natureza: quem, com bases plenamente racionais, se submeteria às dores do parto e aos sacrifícios da criação de uma criança?
Uma tendência estranha que se pode perceber nos últimos tempos é que, ao mesmo tempo que a idade de consentimento sexual legal continua a ser aumentada, a idade a partir da qual a criança pode ser julgada e condenada como um criminoso adulto tem recebido mais e mais impulsos visando sua minoração. Processos de crianças como adultos têm se tornado comum na Inglaterra e Estados Unidos, por exemplo, onde, no final da década de 1990, um garoto de onze anos de idade fora a julgamento por homicídio como adulto. Querem fazer parecer que menores são esclarecidos o suficiente para ser punidos pelos adultos, mas que não o são quando o assunto é prazer. Não é surpresa que, em meio à neurose sado-masoquista que nossa cultura está mergulhada, como resultado da necessidade de reprimir seus instintos sexuais de modo a melhor acomodar os impostos preceitos legais, religiosos e morais, o sadismo acabe se destacando.

Monogamia, Família, Tabus...

Love of one is a barbarism; for it is exercised at the expense of all other. The love of God, too.
Com a descoberta do fato da paternidade o macho da espécie incrementou seu desejo de procriar de um modo que levou os machos alfa a organizar seu meio social ao redor de seus desejos de espalhar suas crias por tantas quantas forem as fêmeas possíveis. Entretanto, isso não parecia justo para os espécimes mais fracos da espécie, assim, os fracos, os feios e aqueles dotados de pouco charme se uniram e decidiram instituir o casamento monogâmico como mecanismo de racionamento, um meio para se garantir que todos (ou quase todos) tenham uma chance de conseguir uma parceira. O resto da história fica por conta da genética. Por que deixar que uns poucos fiquem com toda a diversão se tudo que precisamos fazer é concordar com a limitação de um parceiro por pessoa? É muito mais democrático. Muito mais altruista. Muito mais comunitário! Mas, e se isso vai contra nossa natureza? Então é só inventarmos algumas mentiras (ou mitos, como preferir) que justifiquem tudo isso, e antes que alguém possa dizer “você está falando mesmo sério?” todos já terão esquecido como era nos bons velhos tempos, e engolido a isca.
Para que isso tudo não pareça muito estranho, busquemos referência em Charles Darwin, cuja obra-prima, The Descent of Men, Freud cita em seu Totem and Taboo:
Mais si, remontant le cours du temps assez loin en arrière, nous jugeons les habitudes humaines d'après ce qui existe actuellement, la conclusion paraissant la plus probable est que les hommes ont vécu primitivement en petites sociétés, chaque homme ayant généralement une femme, parfois, s'il était puissant, en possédant plusieurs qu'il défendait jalousement contre tous les autres hommes. Ou bien, sans être un animal social, il n'en a pas moins pu vivre, comme le gorille, avec plusieurs femmes qui n'appartenaient qu'à lui : c'est qu'en effet tous les naturels se ressemblent en ce qu'un seul mâle est visible dans un groupe. Lorsque le jeune mâle a grandi, il entre en lutte avec les autres pour la domination, et c'est le plus fort qui, après avoir tué ou chassé tous ses concurrents, devient le chef de la société. (Dr Savage, dans Boston Journal of Hist., V, 1845-47). Les jeunes mâles, ainsi éliminés et errant d'endroit en endroit, se feront à leur 'tour un devoir, lorsqu'ils auront enfin réussi à trouver une femme, d'empêcher les unions consanguines trop étroites entre membres d'une seule et même famille."
Com a evolução desse sistema, uma das mentiras resultantes era que mulheres e crianças pertencem ao cabeça da família, como sua propriedade, de modo que mulheres não têm direitos. Na verdade, nem mesmo se considerava que mulheres tinham alma. Do mesmo modo, as crianças não têm direitos, e as meninas, assim como as esposas, eram tratadas como propriedade, ao ponto de se manter sua castidade guardada, literalmente, a sete chaves, como analisa Russell:
The history of civilization is mainly a record of the gradual decay of paternal power, which reached its maximum in most civilized countries, just before the beginning of historical records. A father had absolute power over its children, extending in many cases, as in Rome, to life and death. Daughters throughout civilization, and sons in a great many countries, could not marry without their father’s consent, and it was usual for the father to decide whom they should marry. A woman had in no period of her life any independent existence, being subject first to her father and then to her husband. The power which the father acquired in the first instance by this superior strength was reinforced by religion... (Marriage and Morals 18)
Quando se pergunta se as crianças têm o direto de consentir, logo se iniciam as discussões sobre idade de consentimento. Mas não vamos começar a correr antes que estejamos aptos a andar. Primeiramente, vamos falar sobre consentimento. O fato é que o comportamento das crianças lhes são condicionados por expectativas parentais e sociais, impostas coercitivamente sob pena de uso da força e toda uma gama de atos punitivos. Elas são coagidas a adotar o comportamento do adulto. É como se a relutância de uma menina em usar saias, ao invés de calças, ou seu desejo de ficar em casa ao invés de ir à escola simplesmente não existisse. Às crianças é permitido o direito de consentir em apenas um reduzido, e cada vez mais restrito, domínio de opções comportamentais, que são delimitados por aqueles padrões de comportamento que já receberam o selo de padrão de qualidade doméstico pela família e pela sociedade. Desse modo, toda a confusão causada por essa regra de idade de consentimento foi criada como uma ficção para combater os cada vez mais freqüentes casos onde o consentimento, inegavelmente, está presente. Somente quando o comportamento sexual consentido da criança contravém antigos tabus (a razão natural e original dos quais não é compreendida), é que a ficção, coercitivamente imposta, é deliberadamente confundida com a realidade.
O irônico em todo esse papo de idade de consentimento é que somente quando deixamos de tratar as crianças como propriedade, quando deixamos de impor nossos próprios entraves sexuais e outras neuroses, tais como a necessidade de posse e controle, somente então estaremos respeitando-as e respeitando seus direitos como indivíduos sencientes. Será que estamos dispostos a respeitar o direito das crianças em consentir livremente? Se estivéssemos, deixaríamos de projetar nossa neurose da vergonha sobre elas, deixando de constrange-las a cobrir seus belos corpos. Deixaríamos de fazer com que vejam seus órgãos genitais como órgãos de vergonha, de culpa e de sujeira (ao invés de órgãos de beleza, orgulho, saúde e prazer sagrado) impedindo-os de tocar seus próprios corpos, ou os de seus companheiros, conforme sua curiosidade sexual inevitavelmente os leva a fazer.
Mas é claro que tudo isso iria minar as bases sólidas da sociedade patriarcal, monogâmica, negadora do sexo, e as da estrutura nuclear da família, que não passa de um solo fértil para todas essas nefastas neuroses, ou deturpações do normal. Somente porque estamos preocupados com a perpetuação do que é e tem sido considerado normal é que nós pisamos nos direitos das crianças de serem criadas num ambiente onde o sexo é visto de uma maneira positiva e saudável, livre da culpa e da vergonha do que é belo e que vem naturalmente a elas.
Ainda não chegou o momento para que essa mudança se torne possível. Tudo bem. Mas não fiquemos fingindo estar preocupados com os direitos das crianças e, por tudo que é sagrado, deixemos de insistir na farsa de que é por conta de sua inabilidade para ingressar num relacionamento consensual informado que as crianças são “protegidas” da intimidade, seja ela intergeneracional ou não. Isso é um insulto à inteligência das crianças. Ele ou ela sabe muito bem o que quer ou não quer. O que a sociedade deseja e, na realidade, tem interesse, é na perpetuação de sua insustentável disfunção que dá origem aos tabus que atuam contrariamente aos direitos das crianças.
É essa a mesma sociedade em que as meninas começam a apresentar sinais da puberdade na pré-adolescência, e não podem responder devidamente aos sinais que seus hormônios lhes enviam, porque, por um lado, a sociedade em que vivem não lhes garante a independência financeira para tanto, e, por outro lado, seus pais não as permite aquele direito. Não é de se estranhar que elas todas enfrentem tantos problemas nessa idade. Problemas que nada mais são que a externalização das tensões que sentem quando são divididas entre seus sinais hormonais, e a inabilidade de agir em conformidade com tais sinais. O rosto cheio de espinhas da adolescente é um icone da feia e vergonhosa face da sociedade que não consegue lidar com sua sexualidade.
Eis aqui uma outras formas de dizer a mesma coisa, conforme Nietzsche:
Tudo isto significa a palavra Dioniso: não conheço nenhuma simbologia mais elevada do que a simbologia grega, a simbologia das dionisíacas. Nela o instinto mais profundo da vida, o instinto de futuro da vida, de eternidade da vida, é sentido religiosamente - o caminho mesmo até a vida, a procriação, enquanto o caminho sagrado... Somente o cristianismo, com seu ressentimento contra a vida por fundamento, fez da sexualidade algo impuro: ele lançou lama sobre o começo, sobre o pressuposto de nossa vida...
O cristianismo perverteu a Eros, este não morreu, mas degenerou-se. tornou-se vicio.
Uma espécie inteira do mais malévolo "idealismo" – que, de resto, ocorre também nos homens, por exemplo em Henrik Ibsen, essa típica e velha solteirona – tem como objectivo envenenar a boa consciência, a natureza no amor sexual...
E, para não deixar qualquer dúvida acerca da minha disposição, tão honesta quanto severa nesta consideração, quero ainda notificar uma proposição extraída do meu código moral contra o vício: sob o nome de vício, combato toda a espécie de antinatureza ou, se se gostar de palavras bonitas, o idealismo. Eis a proposição: "A pregação da castidade é uma incitação pública à antinatureza. Todo o desprezo do amor sexual, toda a sua adulteração mediante o conceito de 'impuro', é o próprio crime contra a vida – é o pecado autêntico contra o espírito santo da vida."
Os pais, muitas vezes inconscientemente, fazem de seus filhos algo semelhante a eles e a isto dão o nome de educação. Nenhuma mãe duvida, no fundo de seu coração, que o filho que trouxe ao mundo seja de sua propriedade, nenhum pai precisa o direito de impor-lhe suas concepções e seus juízos de valor. Em outros tempos se considerava como um direito dos pais a disposição da vida ou da morte do recém-nascido (como exemplo poder-se-ia citar o caso dos antigos germanos) e o educador, a classe social, o sacerdote, o soberano, e ainda o pai, vêem em cada novo ser humano a oportunidade de se apropriar sem mais de um novo objeto.
Como todos os limites por idade, mais até que muitas outras delimitações etárias que têm efeitos específicos, restritos e diretamente mensuráveis, a idade de consentimento e todos os seus corolários irão desaparecer completamente tão logo ficar demonstrada que não têm qualquer razão de existir, além de ser um efeito colateral lógico do status de não-humanos atribuído atualmente às crianças.
É verdade, não pretendo negar, que algumas atividades podem ser perigosas para o corpo pequeno e leve das crianças. O perigo, entretanto, não é conferido pelo número: um adulto de dimensões similares (e existem adultos assim) estão sujeitos ao mesmo risco. Por outro lado, há crianças que alcançam as dimensões de um adulto antes mesmo de serem consideradas legalmente adultos e ainda assim elas não têm direito a uma "exceção pelo tamanho".
É verdade, não pretendo negar, que há algumas crianças, e quanto mais jovens mais se verifica, que não necessariamente entendem os conceitos e percepções da sexualidade que devam surgir no caso da interação sexual com um adulto. Mas não é esse o caso: há algumas crianças, e quanto mais jovens mais se verifica, que não necessariamente entendem muitas das coisas que fazem (e aqui me refiro a coisas com as quais qualquer pessoa concordaria serem perfeitamente benéficas). Será que entendem a nutrição? Provavelmente não, especialmente, não no nível que os adultos normalmente entendem - e ainda assim elas entendem quando estão com fome e quando comeram e estão satisfeitas. Será que entendem alguma coisa de eletroencefalografia? Bem, elas entendem quando estão cansadas e querem dormir e mais tarde quando já dormiram e se sentem cheias de energia. E os processos digestivo e sangüíneo, elas os compreende? Elas entendem quando precisam usar o banheiro, mesmo antes que adquirem a habilidade de controlar o processo conscientemente, e elas entendem quando se sentem aliviadas, depois.
Elas entendem aquilo tudo porque são necessidades físicas inerentes a todos os seres humanos. Do mesmo modo, elas entendem quando estão felizes e tristes, contentes e com raiva, seguras e amedrontadas, chateadas e empolgadas, quando precisam de seu próprio espaço e quando querem dividir, quando querem ficar sozinhas e quando querem contato. Esses são estados mentais e emocionais e necessidades que também são inerentes em todos os seres humanos. Não é necessário ser um doutor para entender essas necessidades, e quase que certamente é ingênuo acreditar que um número mágico faça com que você entenda quaisquer delas. Todos são sentimentos e necessidades humanos. E a sexualidade, juntamente com sua expressão, solitária ou acompanhada, não é diferente. É, fisica e emocionalmente, uma necessidade humana, do começo ao fim, e a provável falta de compreensão que alguém possa ter não pode servir de razão para bani-lo de sua personalidade, e de privá-lo de poder realizar suas necessidades físicas, mentais emocionais e espirituais. Ainda mais se isso é feito com base em uma moralidade discriminatória ou uma proteção mal conduzida.
É verdade, não pretendo negar, que existe o abuso sexual de crianças. Questiona-se apenas se as legislações que estabelecem idade de consentimento e leis correlatas estão realmente fazendo algo para resolver esse problema, ou mesmo se têm alguma possibilidade de fazer algo para resolver esse problema. Por definição, a estipulação de uma idade de consentimento não alcança situações efetivamente abusivas: elas explicitamente dizem a qualquer pessoa que se dê o trabalho de ler a lei, que "o consentimento dado por alguém com idade inferior ao Número Mágico não serve de nada perante a Justiça" (... ou seja, o consentimento dela vale tanto para a Justiça quanto para um estuprador!!!), e isso não muda em todos os países nos quais há algo parecido com a idade de consentimento. Ela não está combatendo qualquer abuso sexual, da mesma forma que uma legislação proibindo a pornografia consensual não evitaria a filmagem de estupros verdadeiros. Alegar que potenciais estupradores deixariam de cometer crimes pela simples existência da idade de consentimento não é mais que uma demonstração de legalismo extremo.
Se a existência de uma lei fosse suficiente por si só, não haveriam mais crimes. Se as penas, por si só, detivessem a criminalidade, tudo que deveríamos fazer é declarar a pena de morte para todos os crimes. Quando um estuprador decide violar a lei é porque ele acredita que não será punido, e se o for, acha que ainda assim vale a pena. Ninguém comete um crime sem antes ter pensado sobre isso, dessa forma, obviamente, as leis não podem fazer nada para proteger alguém de coisa alguma. Se realmente se deseja combater o abuso sexual de crianças, a elaboração de mais leis, e mais fortes, não vai ajudar em nada. E deveria ser evidente que isso também se aplica à elaboração de mais leis, mais fortes, punindo o que efetivamente nada têm que ver com abuso sexual de crianças.
A única coisa que funcionará é uma mudança nessa visão de que o molestador não será pego. E isso somente será possível educando-se a criança em relação ao seu corpo e sua sexualidade. Com certeza, o caminho correto não é o de rastrear alguém com GPS, mas sim, deixar claro ao abusador que não vale a pena agir, e isso somente será possível quando reconhecermos o valor total da criança como pessoa, o valor total da sexualidade como uma poderosa e enriquecedora forma de expressão pessoal, e tomando decisões claras, baseadas, não em belas e demagógicas palavras, mas, no fato que nós, como indivíduos e sociedades, consideramos injustificável qualquer forma de abuso sexual. E isso nunca poderá ser feito através do estabelecimento de idades de consentimento, nem com mentiras, nem com tabus.
Por outro lado, os legalistas de plantão criam uma falsa sensação de segurança em pais, crianças e educadores, dizendo-lhes que Esta Nova Lei e Essa Nova Pena vão garantir que o abuso sexual de crianças seja erradicado. Isso é mais criminoso que infringir a ficção de uma idade de consentimento.
E, é claro, é estúpido pensar que, subitamente, num Dia Mágico, você começa a estar totalmente pronto para decidir fazer sexo, quando no dia anterior você era totalmente incapaz disso.
E, é claro, é discriminatório fixar um limite, qualquer limite, para uma necessidade humana, a qualquer pessoa.
E, é claro, vender proteção, às custas da liberdade, é, no mínimo, uma fraude, uma extorsão idêntica à praticada pelas tão ultimamente comentadas milícias cariocas.
E, é claro, alheios à lei, desprezando-as, ou desafiando-as, "menores" desobedecem tais leis, em todos os países e sociedades, contradizendo seus opressores e provando que são humanos completos. Não importa o que todos os outros pensem, o que lhes faz sentir-se bem, para eles é certo; e se parece bom com um companheiro, será certo com esse companheiro; se parece bom com alguém mais novo, será com alguém mais novo; se parece bom com alguém mais velho, será com alguém mais velho; se parece bom com um adulto, será com um adulto; Se é preciso que seja escondido, ficará em segredo - as crianças não são burras e sabem o que seus pais, professores, sociedades, irão desaprovar se descobrirem. Se querem ter experiências sexuais e sabem que seus pais não ficariam felizes se soubessem, então farão o que for necessário, com o melhor de suas imaginações e possibilidades, para não serem descobertas. O tempo todo as crianças, todas elas, fazem coisas que seus pais desaprovam, e até mesmo que são ilegais para elas, e ainda assim não são descobertas, porque elas sabem como agir fora da vigilância da sociedade em geral.
E isso não é diferente com o sexo. E como ocorre com todas as possíveis atividades que, por desaprovação ou leis, precisam ser mantidas em segredo, as reações à descoberta fazem uma grande diferença tanto ao minimizar como ao amplificar os efeitos do ato e mesmo da descoberta. E nesse caso as leis adicionam mais fontes de estresse que não existiriam, não fossem essas mesmas leis. Como é que isso pode ser sinceramente considerado proteção às crianças?
Se proteção significa perda de direitos, necessidade de segredo, e imposição de estresse desnecessário, então eu ficaria grato em não ser protegido.