terça-feira, 30 de setembro de 2008

Idade de Consentimento

Em se tratando do instituto legal da invalidação ficta do consentimento, que tem sido tão debatida ultimamente, a noção como um todo, há que se argumentar, é um completo equívoco. Não passa de uma falácia lógica. O problema com ela é que sua premissa básica é falsa, isto é, a presunção que crianças são suficientemente informadas (esclarecidas) para que possam dar seu consentimento em quaisquer outros assuntos no mundo, com exceção do que tange às relações amorosas (especialmente as que envolvam disparidade etária).
As crianças são moldadas por fatores externos que lhe são impostos pela sociedade desde o momento de sua concepção. Nesse processo, são corrompidas:
A maneira mais fácil de corromper um jovem é ensiná-lo a respeitar mais aqueles que pensam pensamentos iguais aos seus que aqueles que pensam pensamentos diferentes. (NIETZSCHE, Friedrich)
Ou seja, a questão principal passa a ser o que é e o que não é aceitável que se exponha às crianças, de modo que chegamos numa volta completa a uma bela petitio principii. Mas, por se tratar de um assunto fortemente político, as razões para que continue sendo sustentada pelas forças reacionárias baseiam-se numa falácia do espantalho.
A legislação que trata da idade de consentimento, que data de finais do século XIII com os British Statutes of Westminster, trouxeram o conceito de que o parceiro jovem é categoricamente incompetente para dizer tanto sim quanto não para o sexo. Isso porque a criança, por definição legal, é incapaz tanto pessoalmente quanto legalmente para resistir ou para voluntariamente abrir mão de sua “virtude”. E é o Estado, por ter interesses em resguardar essa virtude, quem resiste por ela.
Enquanto, atualmente, presumimos que tais leis baseiam-se no princípio que menores têm direito a uma proteção diferenciada, originalmente o objeto de proteção legal não era a criança em si, mas sua virgindade, que era propriedade de seu pai (naturalmente, como ocorre com qualquer propriedade, era mantida bem segura, guardada a sete chaves). A vítima era sempre do sexo feminino, tanto que, ainda em 1981, a Suprema Corte norte-americana declarou a constitucionalidade da criminalização do ato sexual com menor do sexo feminino, mas não com menor do sexo masculino. Ao categoricamente ab-rogar o direito do menor ao consentimento, a lei dá ao adulto total poder sobre a sexualidade daquela criança.
No século XIII o direito de um pai sobre a virgindade de sua filha era inquestionável. Ela (tal qual sua mãe) era patrimônio de seu pai, e se ele suspeitasse que alguém estivesse invadindo sua propriedade ele lançaria o culpado ante o magistrado, do mesmo modo que faria num caso de furto de cavalo.
Atualmente, não obstante a preferência dos promotores pela obtenção do testemunho da garota contra seu namorado, isso nem é necessário ao caso. A lei dá aos pais uma inigualável quantidade de poder: eles podem, realmente, colocar o namorado de sua filha atrás das grades.
Em 1800, a idade de consentimento era aos dez anos por todos os Estados Unidos. Em 1880 passou a dezesseis anos de idade, após o pânico da escravidão branca, quando já aos dez anos de idade trabalhava-se quatorze horas por dia numa fábrica. Na década de 1990 a idade de consentimento variou, literalmente, por todo o mapa. No Havaí, em 1998 era aos quatorze anos; na Virgínia, quinze; Minnesota e Rhode Island, dezesseis; Texas, dezessete; Wisconsin, dezoito. Em New Hampshire chegou-se ao absurdo de se considerar ilegal para qualquer pessoa manter relações sexuais com alguém menor de dezesseis anos, mesmo sendo ambos os parceiros menores.
Se tentarmos basear as leis sobre idade de consentimento no que nos traz a moral religiosa, seria necessário baixá-la a algo em torno do que era nos anos 1800, sob pena de se arriscar a causar ira dos meios religiosos ao se caracterizar todos os profetas do Velho Testamento como pedófilos ou molestadores.
Se, por outro lado, tentarmos justificar a legislação sobre idade de consentimento numa base científica e racional, a situação também não seria muito satisfatória ao status quo. Segundo a biologia, as meninas normalmente começam a dar sinais da puberdade entre seu nono ou décimo aniversário, dependendo, basicamente, de fatores genéticos. A biologia também nos ensina que o prazer sexual está presente em qualquer idade, mas, deixemos isso de lado por enquanto, já que também se sabe que os lóbulos pré-frontais - que são responsáveis pela habilidade de realização de pensamentos analíticos abstratos - não começam a formar ligações nervosas antes dos dezesseis ou dezoito anos, e que esse processo de crescimento dendrítico e tecedura da rede neuronal no neocórtex não se estabiliza antes dos vinte e cinco anos de idade, quando então essa rede começa a se degenerar. Em outras palavras, a sábia Natureza, determinou que os órgãos sexuais da fêmea da espécie estejam em pleno funcionamento a partir da pré-adolescência (9-12 anos), mas deixou o desenvolvimento sua faculdade racional abstrata para bem mais tarde. Pode-se perceber algo de lógico nessa disposição da Natureza: quem, com bases plenamente racionais, se submeteria às dores do parto e aos sacrifícios da criação de uma criança?
Uma tendência estranha que se pode perceber nos últimos tempos é que, ao mesmo tempo que a idade de consentimento sexual legal continua a ser aumentada, a idade a partir da qual a criança pode ser julgada e condenada como um criminoso adulto tem recebido mais e mais impulsos visando sua minoração. Processos de crianças como adultos têm se tornado comum na Inglaterra e Estados Unidos, por exemplo, onde, no final da década de 1990, um garoto de onze anos de idade fora a julgamento por homicídio como adulto. Querem fazer parecer que menores são esclarecidos o suficiente para ser punidos pelos adultos, mas que não o são quando o assunto é prazer. Não é surpresa que, em meio à neurose sado-masoquista que nossa cultura está mergulhada, como resultado da necessidade de reprimir seus instintos sexuais de modo a melhor acomodar os impostos preceitos legais, religiosos e morais, o sadismo acabe se destacando.

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