terça-feira, 30 de setembro de 2008

Questão Etária

Ah, só os números mudam porque você muda quando você menos espera, né? Acho que isso é bobeira. (Uma Menina)
Certamente é muito interessante notar que esta parte é encabeçada pela citação de Uma Menina de treze anos de idade. É muito significante que tenha sido exatamente ela quem disse isso. A importância se deve ao fato que esse talvez seja o tema mais controverso aqui tocado, e suas palavras dão-me bastante coragem para seguir em frente. Qual a melhor maneira de resumir a idéia? Eu não poderia tê-lo feito melhor que essa menina. Mas eu tentarei, porque às vezes os aforismos não são a única (ou correta) maneira para explicar algo às pessoas.
Local de domicílio. Movimento de entrada e de saída de países ou de estados. Dirigir (não somente carros, mas também helicópteros e quaisquer veículos motorizados em geral). Religião e práticas religiosas. Idéias políticas. Expressão de idéias políticas. Votar. Candidatar-se. Trabalhar. Participar da economia. Consumo e produção de pornografia. Ficar, transar, namorar. Casar. Dar início a uma ação judicial. Responder a um ação judicial. Engajar-se às forças policiais. Engajar-se às forças militares. Participação em ação militar. Apostar. Compra e consumo de álcool, tabaco e outras drogas legais.
Todas as ações listadas acima são direitos negados com base etária.
O que faz com que um número seja tão importante, qualquer que seja o número? A maior parte das atividades acima podem ser consideradas muito importantes e determinantes para um indivíduo; Podem ainda ser consideradas potencialmente perigosas e merecedoras de cuidados especiais. Mas nenhum número traz alguma facilidade para lidar com elas. Educação e experiência adequadas ajudam, mas ainda assim elas não vêm com um número anexado. Há pessoas que se tornam viciados no jogo aos quarenta anos. A maior parte dos bons pilotos de corrida claramente desobedeceram a legislação de trânsito tendo começado a dirigir em idade inferior ao mínimo legal permitido, ainda que dentro do autódromos fechados. Os números, por si só, têm pouco ou nada que ver com isso tudo. Aquela menina disse isso melhor do que eu poderia. Ela não é diferente do que foi ontem. Certamente, ela é diferente do que era quando nasceu, e é diferente do que será quando for idosa. Mas ela nunca saberá exatamente quando, como e por que mudou ou mudará. Ela simplesmente muda, sem que qualquer pessoa, inclusive ela, perceba essa mudança, até que ela se dê por completo. E se (e porque) ela ocorre não tem nada a ver com um número que ela atinja, mas sim por causa de seu desenvolvimento através da vida. Ninguém poderia dizer, externamente, simplesmente com base em sua idade, se ela está ou não preparada para qualquer uma das ações listadas acima - pode ser que esteja, pode ser que não. E ainda daqui a décadas, quando ela estiver mais velha, ninguém, simplesmente sabendo sua idade, será capaz de saber a que ela estará capacitada - ela poderá nunca estar preparada para algumas daquelas ações por toda a sua vida. Ela saberá quando estiver preparada, mas ela somente se dará conta depois que já estiver, e jamais haverá um momento repentino de "hoje eu acordei pronta para [inserir aqui a ação]". Ela irá mudar quando menos espera e tentar associar essa mudança a um número é burrice.
Para quais ações daquela lista ela está pronta? A maior parte delas, certamente. Será que ela se sente preparada? Provavelmente ela se sinta pronta para menos do que realmente seja. A lei lhe permite? Ela não tem liberdade para fazer quaisquer daquelas ações, ainda que seja perfeitamente capaz. Nada disso faz sentido.
E o importante nisso tudo é que cada uma das ações descritas deveriam ser um direito por si só. Não há razão para se tolher arbitrariamente quaisquer direitos. Muitas daquelas ações requerem qualificações especiais, é verdade, mas exigir-lhes um número arbitrário é limitar imotivadamente (ou por um motivo idiota) um direito. Nenhum número pode dizer a que você é capaz ou a que está preparado. Há, para cada um dos direitos mencionados na lista, várias pessoas, menores de idade, que são perfeitamente capacitadas para agir, mas que são proibidas por conta das burras legislações em vigor. Todos os direitos pertencem a todos os seres humanos, e não apenas àqueles com datas de nascimento específicas.
Todas as ações vêm acompanhadas de responsabilidades também, isso faz parte da vida em sociedade, e não deve ser excluído, muito pelo contrário, assumir responsabilidades faz do indivíduo um participante efetivo da sociedade, faz dele humano. Negar a um indivíduo, com base em sua idade, quaisquer direitos, especialmente com o argumento de que se está a protegê-lo (mesmo que de perigos reais), significa negar ou diminuir as capacidades desse mesmo indivíduo. Isso implica dizer que os direitos não têm importância, que a proteção deve se sobrepor aos direitos, e que qualquer medida tomada com a finalidade de proteger justifica quaisquer violações aos direitos individuais. Essa, certamente, é a atitude tomada por muitos pais (não-pais também) contra menores, e mesmo contra si próprios. Essa é, similarmente, a atitude tomada por governos ilegítimos contra seus povos. Mas o principal é facilmente esquecido: Que uma gaiola dourada ainda é uma gaiola, que um carcereiro benevolente ainda é um carcereiro, e que proteção não vale de nada se você não possui direitos.
Um exemplo que vem imediatamente à mente é o paradoxo da filha de Bill Gates. Sob o argumento da proteção, a ela não é permitido passar mais que quarenta e cinco minutos por dia à frente do computador. Ao que parece, seu direito à informação não é importante o suficiente para superar qualquer preocupação especial com proteção (sem falar, é claro, que se ele realmente desejasse proteção ele poderia fazer para ele um computador mais seguro...). Desse modo, ela tem a liberdade cerceada, mas está protegida.
A única forma de se compatibilizar os direitos humanos com o reconhecimento dos menores como pessoas, e membros da sociedade, é garantindo-lhes todos e cada um dos direitos, sob a pena de se estar igualando as crianças a bichinhos de estimação especiais (muito embora, até mesmo os animais tenham direito à locomoção, à atividade sexual, e à vida política - ou será que a interação social entre os animais não é uma forma de vida política? - Muitas devem ser as crianças que desejariam levar uma vida de cachorro).

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