terça-feira, 30 de setembro de 2008

A Pedofilia não Existe

Enfim, sim ela existe, no discurso: No discurso que adotamos quanto à sexualidade. Ao ser anunciada, a sexualidade foi destacada do campo do possível, e assim criada. Ao ser anunciada, a pedofilia foi destacada do campo do possível, e assim criada. Quando temos um bolo, a fatia do bolo não existe. Somente quando a cortamos é que ela passa a existir. A pedofilia é uma invenção social, e convém situá-la nos processos capitalistas-sexuais.
A pedofilia permite garantir o modelo heterosexual: com a delineação da criança, esse temporoindivíduo mantido sob controle e ejetado da sexualidade. Associa-se sexualidade à capacidade de reprodução: a criança não pode se reproduzir, então ela não possui sexualidade.
Todas as práticas sexuais admitidas com crianças (carícias, beijos, etc) são desligadas da sexualidade, sendo analisadas pelo conceito de ternura ou de afeto, enquanto que, quando entre adultos, elas se tornam sexuais (tanto que se o adulto não as consentir, passa-se a falar de abuso, enquanto que quando envolvem crianças, mesmo se considerando que crianças jamais podem consentir, não são consideradas abuso).
Em que essa hipocrisia é interessante ao heteroconformismo?
Condena-se as práticas ditas sexuais provenientes de indivíduos considerados crianças, e ao se fazer isso não se está somente a restringir a sexualidade, está-se a dizer o que é e o que não é sexualidade: Para o esquema heterosexual, a sexualidade deve girar em torno dos órgãos genitais; fala-se também de contatos corporais em geral (mas as carícias dos pais não, essas são apenas afeição...); finalmente, as possibilidades sexuais do indivíduo são condenadas até a idade em que ele possa se reproduzir, de modo que ele seja privado de sexualidade (banindo-se todos aqueles com quem ele possa ter práticas do corpo).
A sexualidade é focalizada na capacidade de se reproduzir, somente possível num modelo binário homem-mulher e adquirido na puberdade. Passa-se a excluir todas as outras práticas possíveis, principalmente as homossexuais.
A proibição do incesto também entra nesse sentido, já que deitar-se com seu pai, mãe, irmão ou irmã leva a combinações extra-heterossexuais não toleráveis ao conforto burguês. É ainda um discurso que situa a sexualidade na capacidade de reprodução, já que o incesto é visto como monstruoso por resultar em crianças defeituosas no caso de fecundação: o perigo do incesto como perigo da reprodução ainda é a fixação de um discurso heterossexual familialista.
Afastar as crianças da sexualidade (desnaturando assim todas as suas práticas sexuais) significa então garantir a perenidade do conforto heterossexal, controlando a sexualidade da criança, atrelando-a ao discurso da reprodução heterossexual, negando-a simplesmente e criando uma variada gama de mitos destinados a colocar a criança dentro de uma esfera à parte, protegida da sexualidade, que é vista como diabólica, vergonhosa e malsã quando não tem fins reprodutivos reprodução (criam-se os mitos da inocência, da pureza, da fragilidade, etc).
Aqueles que, não obstante tudo isso, mantêm relações sexuais com crianças são submetidos a repressão de uma violência extrema: fala-se de monstros. As práticas sexuais com crianças são equiparadas a patologias. Diz-se que tais indivíduos são doentes, desajustados, que são a escória da sociedade. Mas que a diferença há entre um homem de cinqüenta anos que acaricia um menino de cinco e um pai de cinqüenta anos que acaricia seu filho de cinco anos? No caso do pai o menino está sempre sob seu controle, desnatura-se então a prática como sexual, não há perigos ao heteroconformismo. No outro caso, a criança está numa prática sexual que pode se tornar uma abertura, um incentivo para outras práticas sexuais, não necessariamete chanceladas pela direita-conservadora-religiosa-hipócrita.
A criança pode amar as práticas sexuais que lhe são propostas; e ela as propõe também. Paremos de lhe fazer passar por vítima. Ela tem uma sexualidade ativa desde o início.
Inventou-se também o mito do trauma para condenar os pedófilos: segundo o qual a criança seria traumatizada, necessariamente violada, num relacionamento sexual. Na realidade é o próprio fato de se ter imposto esse pseudo-trauma que cria o verdadeiro trauma, um trauma social, aquele causado pela imposta anormalidade de ter tido experiências sexuais. A criança é constantemente violentada por sua família, acariciada, beijada, tocada, mas ela certamente encontra muito mais prazer que,motivos para estar traumatizada.
A violência da sociedade no tocante à pedofilia se debe ao fato de as práticas precisarem ser clandestinas, sob pena de receberam uma condenação total da sociedade, mesmo não havendo violência real, mesmo havendo pleno consentimento por parte da criança. Mas se está condicionado pela inevitabilidade da repressão em caso de denúncia.
A sexualidade com a criança é tolerada no quadro familiar, estrutura de controle que assegura a repetição do modelo, sob a forma de carícias e beijos, principalmente. A interação entre crianças e indivíduos fora da família é, por outro lado, chamada de pedofilia, mesmo se as práticas sejam as mesmas.
Certamente, a consumação de conjunção carnal com uma menina de sete anos pode lhe causar danos físicos. Mas há diversas outras práticas corporais, e não se pode aniquilar sexualidade da criança, transformá-la num ser assexuado, ta~somente com a finalidade de hipersexualizá-las em direção à heterossexualidade.
Esse modelo transforma as crianças em vítimas passivas, seres tornados doentes limitados pelos dispositivos de conforto heterossexual.
Lembro-me de Gary Glitter, o popstar inglês que foi flagrado nas Filipinas com meninas de quatorze (ou dez anos talvez): na capa de um tablóide havia uma foto sua com um grande sorriso, uma menina sorridente em cada braço, e a manchete em letras garrafais vermelhas “Monster”, essa é a ilustração perfeita dos paradoxos em torno da pedofilia: essas meninas não foram assassinadas-enterradas, elas estavam sorridentes ao lado dele e ainda assim o jornalista o chamava de monstro, isso confirma que a pedofilia, na realidade, é um produto de censores sociais que têm por finalidade assegurar a repetição de um modelo de estabilidade capitalista-sexual em torno da heterossexualidade familiar.

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